quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Singela mensagem de fim de ano

E ISSO NEM É FÍSICA QUÂNTICA!

"Enquanto isso, no passeio público...
- Mamãe, eu posso jogar aqui no chão ou preciso guardar até encontrar um lixo?
- Ai, filhinho, que bobagem: joga aí mesmo! Você acha que um único papelzinho de bala que você deixa de jogar no chão vai amenizar a poluição mundial?
E o mesmo diálogo foi ouvido nas bilhões de famílias que emporcalham o mundo."


Você pode ser um porco racional.
Ter porcos racionais como semelhantes.
Mas viver num chiqueiro e feder são opções suas.
Use seu cérebro, seu porco imbecil!
Fernando Sachetti

domingo, 4 de outubro de 2009

Versos Meus I

ENCALÇO

Que tua epiderme me seja abrigo.
Que teu corpo engorde de mim.
Quando pecares, que eu seja teu pecado.
E, ao confessares, que eu seja tua penitência.
Quando te viciares, que eu seja tua droga.
E, ao te reabilitares, que eu seja tua cura.
Na doença, não me faças teu escarro.
Na febre, não me faças teu suor.
Que eu seja tua doença e tua febre.
Quando te machucares, que eu seja tua cicatriz.
E, quando te prenderem, que eu seja tua masmorra.
Que eu seja a música que tu entoas.
E a hóstia que te purifica.
E a poema que te emociona.
Quero correr em teu sangue.
Quero ser o teu sangue.
E a fadiga de teus músculos.
E o consolo de teu fracasso.
E o troféu de teu sucesso.
Enquanto quiseres, que eu seja tua asfixia.
E, quando cansares, que eu seja tua liberdade.
Fernando Sachetti

Ode ao CUJO

Seção: Língua e Etiqueta
“A menor distância entre dois pontos é sempre uma reta”, diz o teorema matemático que prima pela rapidez e evita esforços desnecessários. Se, na matemática, economia é lei, na língua portuguesa, os falantes parecem não se importar tanto em tomar o caminho mais dispendioso.
Observe:
Eu não sei onde deixei o livro. A capa do livro está caindo.

Para desfazer a repetição da palavra livro, os falantes condensam as duas frases acima através de incríveis malabarismos linguísticos do tipo:
Eu não sei onde deixei o livro que a capa dele está caindo.

Essa construção (que pretende ser) condensada está, no entanto, longe de ser econômica. E o arcabouço da língua portuguesa oferece, sim, a seguinte solução de extrema eficiência:
Eu não sei onde deixei o livro cuja capa está caindo.

Talvez haja a falsa concepção de que o uso do pronome cujo reveste a frase de muita formalidade. No entanto, nada justifica o descaso que tal pronome vem sofrendo, uma vez que ele não é um adorno com que se enfeita uma frase, mas uma palavrinha eficaz da qual não se deveria fugir.
Teorizando, cujo é um pronome que atua como um elo indicador de posse: a palavra que o segue designa algo que é possuído por seu antecedente. Esquematicamente, ter-se-ia: possuidor + CUJO + possuído.
Veja mais exemplos de malabarismos linguísticos:
Você leu nos jornais sobre a menina que o namorado dela foi sequestrado?
O cachorrinho que a pata dele estava quebrada foi adotado por uma família.
A menina que o carro dela está sempre na calçada foi multada.

Analise, agora, os caminhos mais econômicos:
Você leu nos jornais sobre a menina cujo namorado foi sequestrado? (o namorado é possuído pela menina)
O cachorrinho cuja pata estava quebrada foi adotado por uma família. (a pata é possuída pelo cachorrinho)
A menina cujo carro está sempre na calçada foi multada. (o carro é possuído pela menina)
Fernando Sachetti


Leitura obrigatória

Seção: Clichês em discussão
É inerente à raça humana rejeitar obrigações. Tudo aquilo do que não se pode fugir é encarado como fardo. E, infelizmente, é como um fardo que a leitura tem sido suportada pelos estudantes, sobretudo, às vésperas de exames vestibulares. É desnecessário dizer que o prazer advindo de uma boa leitura tem perdido espaço para outros entretenimentos. O que se questiona é o porquê de a leitura estar dissociada do prazer.
Inúmeros alunos proclamam que a rotulação leitura obrigatória, ao invés de instigar-lhes a ânsia por ler, produz efeito contrário, à medida que lhes retira a liberdade de escolha. Num primeiro momento, essa asserção até parece coerente. Entretanto, a obrigatoriedade de uma determinada leitura não significa que o aluno deva ler unicamente aquilo a que é obrigado. Em outros termos: uma leitura cobrada e uma espontânea podem, perfeitamente, ser realizadas concomitantemente.
Ademais, os números provenientes de pesquisas que avaliam a leitura no Brasil têm demonstrado que o brasileiro (e não só os vestibulandos) lê parca e insuficientemente.
Assuma-se: o brasileiro não tem intimidade com livros. Porém, conferir a culpa dessa falta de intimidade à rotulação leitura obrigatória é transferir a responsabilidade do aluno ao professor. Ressalte-se, todavia, que o professor não é o único responsável por despertar o interesse pela leitura no aluno.
Fernando Sachetti

"O Calor das Coisas", de Nélida Piñon

Seção: Isto é Literatura
Enquanto eu esforçava-me em homenagear aquela casa, o padrinho começou a fotografar-me. Fixava com avidez inesperada instantes dos quais eu viria envergonhar-me. Vergonha de não ter sentido forte, de não ter avaliado a intensidade daquele domingo numa ilha “gallega”. Eu não queria que ele me regalasse um dia com a visão de um passado sem alma. De que serve o futuro povoado de retratos amarelos? – p. 85

Haviam-me descrito a avó como uma velha graúda, de vigor camponês no seu tempo de ouro. Igualmente capaz de estripar animais, mexer-lhes as vísceras, e preparar-se jubilosa para as festas de agosto. Mas, não me iludisse agora com seu estado, a vida atual desmentia o que havia sido. Logo acostumei-me à luz pálida do quarto. A avó no leito vestia-se com uma camisola branca rendada, um traje de noiva reluzente, e mal percebia-se a respiração saída do seu corpo calcinado. – p. 87
excertos retirados de O calor das coisas, de Nélida Piñon (Editora Record, 1997).

Deleite ao martelo, à bigorna e ao estribo.

sábado, 26 de setembro de 2009

Versos meus II

Galáctica

A pálpebra pesada encortina um mundo só meu
É noite eterna nesse vale onde tu te insinuas
E enquanto a brisa diáfana acaricia-te a tez crua
Não desejo senão a eternidade desse gozo íntimo.

Teus passos não machucam a terra. Antes, nela
eternizam esses que ordinariamente te chamam pés.
No oásis dos fios negros que te emolduram a face
O assopro divino vem brincar e assinar sua criação.

No centro de teus olhos jaz o enigma de duas estrelas
Que faria vassalo o mais insensível e bruto dos seres
Que faria inveja à mais perfeita heroína romântica.

Vem, meu anjo! Vem te aninhar comigo neste vale.
Que durmamos o eterno e mais puro dos sonhos
E que meu amor seja o labirinto onde te perdes.
Fernando Sachetti

Quando dizer "literalmente".

Seção: Língua e Etiqueta
Certo dia, Joãozinho, aos prantos, queixou-se ao pai que lhe doía a mão. O pai, imediatamente, levou Joãozinho ao médico para que o diagnóstico pudesse ser feito. Dias depois, com a mão já curada, o mesmo garoto, que precisava concluir uma tarefa de casa, dirigiu-se novamente ao pai e lhe perguntou: Papai, o senhor pode me dar uma mão?
No parágrafo anterior, fizeram-se dois usos distintos da palavra mão. Em sua primeira aparição, mão significava parte do corpo, porção terminal do braço. Diz-se que, nesse caso, o vocábulo foi usado em seu sentido real (ou denotativo), o qual corresponde ao significado trazido pelo dicionário. Todavia, na pergunta Papai, o senhor pode me dar uma mão?, Joãozinho não esperava que seu pai se mutilasse, arrancando uma parte do corpo para satisfazer o filho. Nesse caso, portanto, mão corresponde a ajuda, o que faz com que a palavra tenha sido utilizada no sentido figurado (ou conotativo).
Tais esclarecimentos se fazem necessários à medida que solucionam um equívoco tão presente na linguagem atual. O que muito se tem praticado é o uso indiscriminado do termo literalmente. Ele parece estar sendo usado pelas falantes como uma espécie de advérbio de afirmação (à semelhança de sem dúvida, certamente, de fato, efetivamente...), o que não é verdade. Literalmente é um termo cujo uso só é legitimado quando os sentidos real e figurado estiverem simultaneamente presentes numa sentença. Analisem-se alguns exemplos práticos.
Só se pode dizer que José está literalmente careca de saber algo se José, ao mesmo tempo, preencher os sentidos real e figurado da expressão: se ele for calvo E se já souber de algo há muito tempo.
Da mesma forma, só se pode dizer que um casal literalmente lavou a roupa suja se o casal, ao mesmo tempo, preencheu os sentidos real e figurado da expressão: o casal esteve na lavanderia lavando peças de vestuário E acertou contas sobre acontecimentos passados da vida conjugal.
Como último exemplo, só se pode dizer que Mariazinha literalmente dançou no concurso se Mariazinha, ao mesmo tempo, preencheu os sentidos real e figurado da expressão: Mariazinha participou de um concurso de dança E ficou numa posição classificatória desprivilegiada.
Espera-se ter colocado, literalmente, um ponto final nas dúvidas sobre o uso de literalmente. (ponto final)
Fernando Sachetti

Canções que poucos já ouviram.

Seção: Isto é Música
Todo álbum musical possui uma ou mais músicas de trabalho. Chamam-se músicas de trabalho (em Inglês, diz-se singles) as faixas de um artista que chegam às rádios e que se tornam conhecidas pelo grande público. Não se sabe com exatidão o que as gravadoras levam em conta para fazer de uma dada canção um single. O que se observa, no entanto, é que alguns artistas possuem canções belíssimas, mas desconhecidas do público consumidor. Seguem alguns exemplos.
Ao se falar em Vanessa da Mata, logo vem à mente a canção-chiclete Boa Sorte (Good Luck), com a participação de Ben Harper. Entretanto, no álbum Sim (de 2007), a faixa Você vai me destruir é excepcional, mas só a conhece quem é fã da cantora ou quem possui o CD.
A banda Evanescence estourou com os hits Bring me to life e My immortal. Porém, o álbum Fallen (de 2003) traz ainda a ótima canção Hello, infelizmente conhecida por poucos.
Por fim, a cantora Pink tem em sua lista de singles as faixas Get the party started, Don’t let me get me e a mais recente So What. O CD Missundaztood (lançado em 2001) presenteia o ouvinte com o achado Eventually, de sonoridade e letra maravilhosas.
Confira abaixo, respectivamente, as canções Você vai me destruir (Vanessa da Mata), Hello (Evanescence) e Eventually (Pink).
texto de Fernando Sachetti






Digite a senha do seu cartão de crédito.

Seção: Clichês em discussão
Isolado em cabines individuais de banheiros públicos, quem nunca se deparou com mensagens de baixo calão oferecendo serviços sexuais, seguidas de números telefônicos? Quem se presta a escrever mensagens como essas pede para ser perturbado.
Assim como tais banheiros, a Internet também é um local público. Ainda assim, há internautas que, atestando ingenuidade, disponibilizam dados pessoais na rede. Ora, qualquer um sabe que isso não é coisa que se faça.
Basta de quebra de sigilo via Internet!
Fernando Sachetti

Um Copo de Cólera, de Raduan Nassar

Seção: Isto é Literatura
Debaixo do chuveiro eu deixava suas mãos escorregarem pelo meu corpo, e suas mãos eram inesgotáveis, e corriam perscrutadoras com muita espuma, e elas iam e vinham incansavelmente, e nossos corpos molhados vez e outra se colavam pr’elas me alcançarem as costas num abraço, e eu achava gostoso todo esse movimento dúbio e sinuoso, me provocando súbitos e recônditos solavancos, e vendo que aquelas mãos já me devassavam as regiões mais obscuras – vasculhando inclusive os fiapos que acompanham a emenda mal cosida das virilhas (...) – eu disse “me lave a cabeça, eu tenho pressa disso”, e então, me tirando do foco da ducha, suas mãos logo penetraram pelos meus cabelos, friccionando com firmeza os dedos, riscando meu couro com as unhas, me raspando a nuca dum jeito que me deixava maluco na medula, mas eu não dizia nada e só ficava sentindo a espuma crescendo fofa lá no alto até que desabasse com espalhafato pela cara, me alfinetando os olhos na descida, me fazendo esfregá-los doidamente com o nó dos dedos, (...) e não demorou ela me puxou de novo sob a ducha, e seus dedos começaram a tramar a coisa mais gostosa do mundo nos meus cabelos co’a chuva quente que caía em cima, e era então um plaft plaft de espuma grossa e atropelada, se espatifando na cerâmica co’a água que corria ruidosa para o ralo, (...) – p. 21/22.
Editora Companhia das Letras, 2002.

domingo, 20 de setembro de 2009

Palavras alheias

O excerto seguinte foi extraído de uma de minhas recentes leituras. Reproduzo-o aqui para que meu leitor tenha, também, a chance de pensar acerca das linhas do psicoterapeuta Flávio Gikovate no livro Nós, os humanos (editora MG Editores).

"(...) gostamos dos autores que pensam de modo parecido como o nosso e achamos meio idiota o texto — e seu autor — que contém opiniões divergentes. Assim, nunca aprendemos nada de novo, pois só lemos os livros com os quais concordamos e cujo conteúdo de certa forma já conhecemos; ou seja, só lemos os livros que não precisamos ler. Os outros nós largamos no meio, porque são “chatos” ou idiotas (…)"

Eu paro de beber quando eu quiser.

Seção: Clichês em discussão
Foi outorgada, no mês de julho de 2008, a chamada lei seca. Segundo ela, qualquer miligrama de álcool detectado pelo etilômetro no sangue de motoristas resultaria penalização ao condutor embriagado. Na ocasião, houve enorme divergência nas opiniões dos brasileiros. Os favoráveis à medida argumentavam que os acidentes automobilísticos poderiam ser minimizados. No entanto, a parcela da população resistente à medida argumentava que os consumidores "sociais" de álcool (aqueles que, teoricamente, sabem seus limites) acabariam pagando caro por um vício que não lhes pertence. Em termos simples: os consumidores ocasionais seriam privados de seu hobby por causa dos beberrões.
Esse último argumento revela total ignorância acerca das complicações que, a longo prazo, o álcool pode acarretar. Da mesma forma como um usuário de maconha começa a consumir a erva em pequenas doses, qualquer um pode se tornar um beberrão mediante o consumo ocasional de álcool. Ora, a dependência química a qualquer droga é engatilhada pelo consumo da mesma em dosagens moderadas. A dependência é, portanto, um processo gradativo que requer um mínimo estímulo inicial para se instalar.
Como delimitar exatamente o ponto que separa o mero “apreciador” de maconha de um forte dependente? E como delimitar o ponto que separa o consumidor social de álcool de um alcoólatra? Esses limites são muito tênues. E não se pode esperar que acidentes automobilísticos ocorram para que alguém seja taxado de infrator. Aí já seria tarde demais.
Fernando Sachetti

Roxette

Seção: Isto é Música
À primeira vista, Roxette pode remeter a um grupo musical formado por vários integrantes. Na realidade, há apenas dois: Marie Fredriksson (vocalista) e Per Gessle (compositor e segunda-voz). A dupla sueca iniciou sua trajetória em 1986 e, desde então, tem sido paradigma de qualidade musical tanto à geração que com eles cresceu quanto às gerações posteriores. É muito improvável encontrar alguém que nunca tenha ouvido sequer um acorde de Roxette. Entre seus maiores hits, figuram as canções Listen to your heart, Dangerous, Spending my time, How do you do!, Joyride, Fading like a flower e Milk and toast and honey. Ufa!
Abaixo, são reproduzidos, respectivamente, os clássicos It must have been love, The look, Vulnerable e Dressed for success. Ainda assim, quatro clipes é pouco para fazer jus à mestria e atemporalidade de Roxette.
texto de Fernando Sachetti








Leia em voz alta: "347ª Zona Eleitoral"

Seção: Língua e Etiqueta
Os numerais compreendem um capítulo da Gramática para o qual pouca atenção se dá. Todavia, o uso indevido dos numerais torna o discurso pobre.
Numeral é toda palavra que indica, graficamente, expressões numéricas. Os numerais cardinais são os que representam quantidade (um, dois, três...); por sua vez, os ordinais – como o próprio nome sugere – são os que representam ordem (primeiro, segundo, terceiro...).
O que comumente se observa é a troca do ordinal pelo cardinal, operação que empobrece absurdamente uma frase. Veja:

Carol prestou vestibular para Engenharia, mas como não se esforçou muito, ficou em vinte e sete na lista. O Ricardo, então, não tem chance alguma de entrar em Medicina; ficou em cento e doze na lista dos candidatos.

Fazendo-se o uso devido dos numerais que indicam ordem (os ordinais), ter-se-ia o seguinte:

Carol prestou vestibular para Engenharia, mas como não se esforçou muito, ficou em vigésimo sétimo na lista. O Ricardo, então, não tem chance alguma de entrar em Medicina; ficou em centésimo décimo segundo lugar na lista dos candidatos.

Mais um caso cotidiano que poderia gerar apuros: como ler as expressões 53ª Delegacia de Polícia ou 347ª Zona Eleitoral? Com o conhecimento dos ordinais adequados, tudo se resolveria fácil e elegantemente:
Quinquagésima terceira Delegacia de Polícia
Trecentésima quadragésima sétima Zona Eleitoral

Mesmo que os numerais ordinais não sejam tão frequentemente usados, seu domínio é um diferencial entre um falante comum e um que zela pela língua. Lembre-se de que são os detalhes que individualizam os seres e os tornam admiráveis.
Fernando Sachetti

Velho Tema, de Vicente de Carvalho

Seção: Isto é Literatura
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim; mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Falou pouco, mas falou bonito.



Sempre me chamou a atenção a beleza dos versos abaixo. São versos extraídos do cancioneiro popular da música brasileira, mas que, apesar de despretensiosos, têm muito a comunicar. Veja:

Estou de volta pro meu aconchego / trazendo na mala bastante saudade – De volta pro aconchego, de Elba Ramalho;
Eu vejo isso por cima de um muro de hipocrisia que insiste em nos rodear – Tempos modernos, de Lulu Santos;
Acho que é bobagem a mania de fingir, negando a intenção – Um certo alguém, de Lulu Santos;
Em mim nada está como é / Tudo é um tremendo esboço de ser – Angústia, de Secos & Molhados;
Você me abre seus braços / e a gente faz um país – Fullgás, de Marina Lima;
Choque entre o azul e o cacho de acácias (...) / A sua coisa é toda tão certa, beleza esperta – Você é linda, de Caetano Veloso;
Não espere eu ir embora pra perceber / que você me adora / que me acha foda – Me adora, de Pitty;
Veja bem, é o amor agitando meu coração / Há um lado carente dizendo que sim / E essa vida da gente gritando que não – Grito de alerta, de Maria Bethânia.
Fernando Sachetti

O Lula é burro!

Seção: Clichês em discussão
Primeiramente, não se deve confundir inteligência com conhecimento formal (aquele adquirido em bancos escolares). Seja lá de onde vem a inteligência, uma coisa é certa: ela não é algo adquirido por meio do pagamento de mensalidades.
Pode até ser que uma coisa esteja ligada à outra. Pode até ser que o conhecimento formal conduza à sapiência. Mas, será que isso é sempre verídico?
Quantas pessoas bem graduadas que você conhece alcançaram sequer a sindicância de um condomínio? E quantas delas, sem graduação alguma, alcançaram a presidência da República?
Fernando Sachetti

Kylie Minogue - foco em dança e figurino

Seção: Isto é Música
Neste vídeo-clipe de fotografia irretocável, a australiana Kylie Minogue prova – definitivamente – que pra ser sensual não é preciso apelar. Ao longo do clipe, Kylie assume uma postura altamente sensual ao fazer uso de figurinos elegantíssimos que remetem ao ballet clássico, mas que também têm um clima de cabaré, mas que também têm uma aura “Julia-Roberts-posando-de-socialite-em-Pretty-Woman”.
Em nenhum momento do clipe abaixo (intitulado Chocolate) há a aparição de chocolates. No entanto, a malemolência dos tecidos com que são confeccionados os vestidos de Kylie e a languidez dos movimentos da cantora exalam um clima derretidamente achocolatado.
Deguste.
texto de Fernando Sachetti




Os verbos "haver" e "fazer"

Seção: Língua e Etiqueta
Certa vez, um site de uma escola de redação anunciava que tal estabelecimento ensinava a seus alunos uma Gramática útil. É fácil de se perceber que está aí implícita a opinião de que há conteúdos gramaticais inúteis. A escolha pelos antônimos útil e inútil, portanto, não foi muito feliz. No entanto, não é complicado de se entender o que o anunciante quis dizer com sua propaganda.
Há na língua portuguesa, certamente, assuntos que são de primeira grandeza (ou de mais valia). A alguém que não é professor de português, saber conjugar verbos corretamente é de muito mais utilidade do que saber o que é uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo não-flexionado.
Um desses conteúdos gramaticais de primeira grandeza é, indiscutivelmente, o conhecimento de certa particularidade dos verbos haver e fazer. Os manuais didáticos postulam que o verbo haver, quando significar (ou puder ser substituído por) existir, é impessoal – o que quer dizer que ele não vai para o plural. Veja:

Houve (=Existiram) várias discussões durante a reunião. (e não Houveram várias discussões)
Havia (= Existiam) vários assuntos pendentes a resolver. (e, não, Haviam vários assuntos)

A propósito dos verbos fazer e haver, a Gramática diz que, quando eles indicarem tempo decorrido, ambos são também impessoais. Observe:

Faz quatro anos que não a vejo. (e não fazem quatro anos)
Amanhã fará cinco dias que ela não fuma. (e não farão cinco dias)
Havia duas semanas que não conversava com o marido. (e não haviam duas semanas)

Significando "existir" ou indicando tempo decorrido, caso os verbos haver e fazer façam parte de uma locução verbal, eles têm o poder de “contaminar” os verbos precedentes com sua impessoalidade. Em outras palavras: nenhum dos verbos deve ser pluralizado; todos devem ser mantidos no singular.
Exemplos:
Antes de eu chegar, deve ter havido (= devem ter existido) muitas discussões.
Deve fazer umas duas horas que eu não me encontro com Pedro.
Os indícios levam a crer que pode ter havido (= podem ter existido) mais de mil casos da doença no país.

Sem dúvida alguma, essas peculiaridades dos verbos haver e fazer devem ter figurado na grade de conteúdos ensinados por aquela escola de redação. Se não o fez, a escola foi falha. Da mesma forma como, em seu carro, um condutor deve trazer um kit primeiros-socorros, um falante de língua portuguesa deve ter, no mínimo, o conhecimento de uma Gramática primeiros-socorros.
Fernando Sachetti

Édipo em Colono, Sófocles

Seção: Isto é Literatura
Desde o momento em que nos abandona
a juventude, levando consigo
a inconsciência fácil dessa idade,
que dor não nos atinge de algum modo?
Que sofrimentos nos serão poupados?
Rixas, rivalidades, mortandade,
lutas, inveja, e como mal dos males
a velhice execrável, impotente,
insociável, inimiga, enfim,
na qual se juntam todas as desditas.
em A Trilogia Tebana, p. 171

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Brasil: ame-o ou deixe-o.

É de dar dó. No coração de metrópoles nacionais, é doloroso ver as dezenas de ambulantes que, ameaçados, amontoam às pressas suas quinquilharias e as levam para não-sei-onde. São produtos piratas que, precariamente expostos no chão sobre lonas, garantem a sobrevivência de milhares de brasileiros que enfrentam sol, chuva, fome, fadiga e o “rapa” (nome vulgar da operação policial que busca conter o comércio pirata).
Enquanto isso, comemorou-se na semana passada o centenário da morte de Euclides da Cunha (autor de Os Sertões). Até aí, tudo bem. O doloroso, no entanto, foi ter de engolir José Sarney fazer um discurso enaltecendo a obra do autor pré-modernista. E eu pergunto: quem é José Sarney para ser o porta-voz do centenário da morte de Euclides da Cunha? E eu mesmo respondo: José Sarney é aquele presidente do Senado cuja roubalheira foi arquivada pelo Conselho de Ética.
Enquanto isso (perdoem-me a repetição), como se não bastassem as injustiças até aqui expostas, foi doloroso ver Vanusa sibilando o Hino Nacional na Assembleia Legislativa de São Paulo. Sibilando. Porque aquilo não foi cantar. E mais uma vez eu pergunto: no cenário da música brasileira, quem é Vanusa para (tentar) interpretar o Hino Nacional? E eu mesmo respondo: Vanusa é um grão de areia perante a grandiosidade vocal e cênica de Maria Bethânia, por exemplo.
Em plena semana da pátria, é doloroso ver este País tão disparatado como está. E faço minhas as palavras de Caetano Veloso para definir o Brasil que se vê: o avesso do avesso do avesso do avesso.

Nada está como deveria ser.
Fernando Sachetti

That I would be good, de Alanis Morissette

Seção: Isto é Música
Canção para ser ouvida todos os dias. Letra completa; melodia serena; voz doce: That I would be good, de Alanis Morissette.


Adjetivos pátrios (ou gentílicos)

Seção: Língua e Etiqueta
O que a Geografia tem a ver com a etiqueta ao falar?
Em primeiro lugar, deve-se reiterar que o Brasil, um país de dimensão continental, é composto por vinte e seis Estados, somados ao Distrito Federal. Dentre eles, cita-se o Rio Grande do Norte (RN) e o Rio Grande do Sul (RS). Talvez por semelhança com essa terminologia do Norte e do Sul, há quem teime em dizer Mato Grosso do Sul (MS) e Mato Grosso do Norte.
Mato Grosso do Norte, no entanto, não é nome de nenhum Estado brasileiro; não é, aliás, Estado de país algum. Aos desavisados, reitera-se que a região Centro-Oeste do Brasil é composta por três Estados, quais são: Goiás (GO), Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (MT). Embora Mato Grosso fique ao norte de Mato Grosso do Sul, seu nome não leva o complemento do Norte.
Em segundo lugar, deve-se deixar de fazer confusão com certos adjetivos pátrios (ou gentílicos). Esses adjetivos são aqueles que indicam a origem geográfica dos cidadãos, sua naturalidade, e alguns deles geram extrema confusão por serem muito semelhantes entre si. Qual a diferença, por exemplo, entre paulista e paulistano? Será que todo paulista é paulistano, ou o inverso é que é o verdadeiro?
Para tanto, veja a lista que segue:

Paulista – nascido no Estado de São Paulo;
Paulistano – nascido na cidade de São Paulo;
Fluminense – nascido no Estado do Rio de Janeiro;
Carioca – nascido na cidade do Rio de Janeiro;
Brasileiro – nascido no Brasil;
Brasiliense – nascido na capital, Brasília;
Goiano – nascido no Estado de Goiás;
Goianiense – nascido na capital, Goiânia;
Londrino – nascido em Londres (Inglaterra);
Londrinense – nascida na cidade de Londrina (Estado do Paraná);
Mato-grossense-do-sul ou Sul-mato-grossense – nascido em Mato Grosso do Sul;
Mato-grossense – nascido em Mato Grosso.
Fernando Sachetti.

Entrevistas com famosos

Seção: Clichês em discussão
O amor de um fã por seu ídolo supera qualquer barreira, até mesmo a barreira do tédio. Isso porque somente muita paciência é capaz de vencer o tédio que permeia as entrevistas com os famosos em revistas e programas de fofoca.
O questionário é sempre o mesmo. Comprove:
° quais são seus projetos para o próximo ano? Ou o que você vai fazer quando a novela acabar?
° dos personagens que você já fez, qual você mais gostou?
° você se importa com os boatos sobre sua vida pessoal?
° como você consegue conciliar a correria da profissão com a vida pessoal?
° qual o segredo para manter este corpinho?
° e como anda o coração?
° há planos de casamento? Filhos à vista?
° o que você tem a dizer sobre a rixa que parece existir entre você e (x)?
Mediante tamanha mesmice, resta saber: os telespectadores se renderam ao molde engessado dos programas de fofoca, ou o molde desses programas engessou a audiência?
De qualquer forma, há de se quebrar o gesso.
Fernando Sachetti

Manuel Bandeira, 1912

Seção: Isto é Literatura
Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

-Eu faço versos como quem morre.

domingo, 30 de agosto de 2009

Içami Tiba e a Biologia - um caso de cumplicidade

Sabe aqueles canais televisivos a que a gente só assiste quando não há outro remédio? Ou melhor, a gente não assiste; a gente passa por eles. Lembra-se daquele canal de leilões cujo único vestígio de humanidade é uma mão exibindo um anel? Pois bem.
Desde minha tenra infância, mamãe já me dizia que um bom remédio pra insônia é assistir a programas chatos. Portanto, numa dessas madrugadas insones, não hesitei em ligar a TV e sintonizar num canal... cujo nome não me lembro. Só sei que passava uma palestra de Içami Tiba.
Para que meu leitor tenha uma noção do quão interessante estava a palestra, Içami Tiba falava sobre piolhos. “Poxa”, pensei, “agora é que eu durmo mesmo”. De repente, Içami começou a falar sobre sapos e soltou: “já que estávamos falando de insetos, não nos esqueçamos dos sapos.”
Ai, ai, ai!
Ora, quem se lembra das aulas de Zoologia do Ensino Médio deve recordar que piolhos são aracnídeos, e que sapos são anfíbios. Infortunado palestrante!
Senti vergonha alheia e fui me remexer na cama.
Vale ressaltar que Içami Tiba é autor de um livro chamado Homem cobra, mulher polvo (pela editora Gente). É: piolho, sapo, cobra, polvo... ele deve entender muito de animais mesmo!
Já diz o velho e bom ditado: em boca fechada não entra mosquito. Ah: esse sim é um inseto.

Fernando Sachetti

Você acredita em saci?

Seção: Clichês em discussão
Existe um refúgio perfeito? Existe um lugar onde todas as pessoas ficam bonitas, parecem intelectuais, arrotam elegância e sempre têm uma resposta engatilhada? Onde se viaja aos montes? Onde as casas são perfeitas? Onde qualquer ruela pode se tornar paisagem digna de ser eternizada numa fotografia? Onde os amigos são sempre os melhores do mundo? Onde não há espaço para tristeza ou solidão? Onde todos se amam e não têm medo de proclamar esse amor?
Esse mundo falso existe e é conhecido como Orkut.
Fernando Sachetti

Substantivos de gênero vacilante

Seção: Língua e Etiqueta

Você conhece algum Darci? Ou melhor seria perguntar se você conhece alguma Darci? Afinal de contas, Darci é um nome próprio para mulheres ou para homens? Em Língua Portuguesa, os nomes próprios terminados em -i suscitam dúvida quanto ao gênero, se masculino ou se feminino. Iraci, Juraci, Delci e Ildeci são apenas alguns exemplos que seguem o mesmo paradigma de Darci.
Tais incertezas no âmbito do gênero dos substantivos não se restringem somente àqueles que são próprios. Substantivos comuns (e não são poucos!) também geram grandes dúvidas se devem ser precedidos pelo artigo definido o ou por a. Na tentativa de amenizar esse problema de troca de gênero - e não de “sexo” - dos substantivos comuns, segue, abaixo, uma lista daqueles que figuram entre os mais problemáticos.
São femininos:
a cal /a omelete / a nuança / a quiche / a acne / a mousse / a couve-flor / a soja / a libido / a echarpe / a patinete / a alface / a matinê / a cedilha
São masculinos:
O abacaxi / o açúcar / o sósia / o cônjuge / o toalete / o ídolo / o matiz / o xérox / o estratagema / o herpes / o aneurisma
Ao final, uma ressalva deve ser feita: numa frase, não é só o artigo (o e a) que deve se moldar ao gênero de um substantivo, mas toda e qualquer palavra que a ele se refira (adjetivos, pronomes, artigos indefinidos e numerais). Observe os vocábulos em itálico abaixo:
A mousse que o chefe preparou está deliciosa!
Tenho tanto dó daqueles que não têm o que comer...
Nossa! esse abacaxi está muito azedo! Troque por outro mais doce.
Minha mãe é meu maior ídolo!
Fernando Sachetti

The Cranberries

Seção: Isto é Música

Abaixo, seguem três sucessos monumentais da banda de rock irlandesa The Cranberries. A voz amaciada de Dolores Mary Eileen O’Riordan Burton (ou simplesmente Dolores, como ficou conhecida) percorre as notas musicais destas canções de um modo absurdamente harmonioso. The Cranberries lançou inúmeros sucessos sobretudo na década de 1990 e anunciou o encerramento de suas atividades em 2003. De toda a discografia, merece destaque o álbum No need to argue (1994), do qual se extraíram os quatro excelentes singles Zombie, Ode to my family, Dreaming my dreams e I can’t be with you.
O público aguarda o retorno da banda. Faz falta...
Fernando Sachetti






Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues

Seção: Isto é Literatura
ALAÍDE - Nem que eu morra, deixarei você em paz!
LÚCIA - Pensa que eu tenho medo de alma do outro mundo?
ALAÍDE - Não brinque, Lúcia! Se eu morrer – não sei se existe vida depois da morte, mas se existir – você vai ver!
LÚCIA - Ver o quê, minha filha?
ALAÍDE - Você não terá um minuto de paz, se casar com Pedro! Eu não deixo – você verá!
LÚCIA - Está tão certa assim de morrer?
ALAÍDE - Não sei! Você e Pedro são capazes de tudo! Eu posso acordar morta e todo o mundo pensar que foi suicídio.
LÚCIA - Quem sabe? Eu mandei você tirar Pedro de mim?
ALAÍDE - Mas que foi que eu fiz, meu Deus?
LÚCIA - Nada!
ALAÍDE - Fiz o que muitas fazem. Tirar um namorado! Quer dizer, uma vaidade... Você, não! Você e Pedro querem-me matar. Isso, sim, é que é crime, não o que eu fiz!
LÚCIA - Mas conquistou Pedro tão mal que ele anda atrás de mim o dia todo!
ALAÍDE - Sabe para onde eu vou agora?
LÚCIA - Não me interessa!
ALAÍDE - E nem digo – minha filha! Vou ter uma aventura! Pecado. Sabe o que é isso? Vou visitar um lugar e que lugar! Maravilhoso! Já fui lá uma vez!
LÚCIA - Imagino!
ALAÍDE - Na última vez que fui, tinha duas mulheres dançando. Mulheres com vestidos longos, de cetim amarelo e cor-de-rosa. Uma vitrola. Olha: querendo, pode dizer a Pedro. Não me incomodo. Até é bom!
LÚCIA - Mentirosa!
(...)
ALAÍDE - Ouça bem. Eu posso morrer cem vezes, mas você não se casará com Pedro.
p. 74/75
Obs.: as indicações cênicas do texto original foram aqui omitidas para economia de espaço.

domingo, 23 de agosto de 2009

Um brinde... à sua inteligência!

Esta seção não pretende muito. A seguinte canção foi aqui transcrita apenas para que o leitor reflita sobre a letra (destaque para os versos em itálico). Reflexão: essa parece ser a distância entre o mundo em que vivemos e aquele pelo qual ansiamos. A distância não é grande, pois.

Blues da piedade
Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo, derrotados
Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com caras de abortadas
Pra pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não têm
Pra quem vê a luz e não ilumina suas mini-certezas
Vive contando dinheiro e não muda quando é lua cheia
Pra quem não sabe amar,
Fica esperando alguém que caiba no seu sonho

Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos pedir piedade, Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade, Senhor, piedade
Dê-lhes grandeza e um pouco de coragem
Quero cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar os blues com o pastor e o bumbo na praça
Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade.
Cazuza / Frejat (1988)
E se você é daqueles que só ouvem NX Zero e Fresno, experimente Raul Seixas, Renato Russo e/ou Cazuza. A música brasileira é bem mais rica do que (atualmente) parece.
Fernando Sachetti

Aprenda a ser o que você NÃO é!

Seção: Clichês em discussão
Em tempos de incompetência (como a época em que agora se vive), é notório o inchamento na quantidade de palestras que se prestam a ensinar liderança: Como se tornar líder, Como liderar um grupo e Liderança na crise (dentre tantas outras invencionices) são títulos que vêm inundando outdoors.
Seria divino acreditar que todos os palestrantes que se prestam a isso fossem líderes de fato. O mundo estaria abalroado de líderes. E de líderes benfeitores: afinal, eles estariam passando adiante seu trunfo. Viver-se-ia, pois, num mundo sem egoísmo. E, portanto, ilusório.
Quem faz público para uma palestra desse gênero deveria se dar conta de que, assim como ninguém se torna poeta, ninguém se torna líder. Um poeta nasce poeta. Um líder nasce líder. Um aluno aplicado pode, no máximo, aprender regras de gramática – o que não lhe garante o manejo com versos e métricas. Da mesma forma, quatro horas num anfiteatro e um reles certificado jamais garantirão o dom de liderar.
Fernando Sachetti

... à paz!

Seção: Isto é Literatura
"Acenderam os cigarros e fumaram.
Com o mesmo sossego de espírito... santo Deus! acendem os homens a guerra civil, que altera e confunde por este modo todas as idéias, todos os sentimentos da natureza.”

Viagens na minha terra (p. 135), do poeta português Almeida Garrett

... ao amor!

Seção: Isto é Música
Na edição desta semana, faz-se uma homenagem ao amor – em todas as suas formas.
A primeira canção, Again, é um dos grandes sucessos de Lenny Kravitz. Àqueles para os quais o inglês é empecilho, acredita-se que o enredo do clipe, por si só, já diz muito.
Em seguida, tem-se Muito estranho, na voz de Dalto. Dalto é mais uma daquelas vozes que os anos 1980 testemunharam e que as gerações atuais não tiveram o privilégio de ouvir. Essa canção tem um quê de romantismo místico e erótico. Muito estranho fez parte, inclusive, da trilha sonora da novela global Sol de Verão, de 1982. Com certeza, foi pano de fundo de vários encontros à luz da lua.
E a terceira canção é Espatódea, joia interpretada e composta por Nando Reis. Aqui, celebra-se o amor em sua forma mais pura - Nando Reis a compôs para Zoé, sua filha.
Fernando Sachetti






Seje / Esteje

Seção: Língua e Etiqueta
Há, na Internet, um site muito famoso de relacionamentos que exibe o dia de aniversário de seus usuários. Nessas datas, o aniversariante é bombardeado com votos de felicitação do tipo: Espero que você seje feliz ou Espero que você esteje bem. Votos desse gênero são baseados em possibilidade, em incerteza; se não o fossem, não seriam votos, mas profecias. Logo, as formas verbais em destaque deveriam estar no modo verbal que expressa incerteza – o Subjuntivo. Veja:

VERBO SER
que eu seja
que tu sejas
que ele seja
que nós sejamos
que vós sejais
que eles sejam
VERBO ESTAR
que eu esteja
que tu estejas
que ele esteja
que nós estejamos
que vós estejais
que eles estejam

Pois bem, como se pôde ver, em nenhumas das pessoas conjugadas, viu-se seje ou esteje. Assim, ao se corrigirem as mensagens acima, ter-se-ia: Espero que você seja feliz e Espero que você esteja bem.
É claro que quem recebe um mimo desses, seguindo seu bom senso, não deve corrigir o deslize gramatical. No entanto, o fato é que essas pequeninas frases ficam à disposição de outros usuários do site que facilmente identificam quem as escreveu. Algo um tanto vergonhoso...
Fernando Sachetti

sábado, 15 de agosto de 2009

O Lago dos Cisnes (trecho)

Que se abram as coxias deste blog com ballet!

Boa leitura!

Cadê a chave de resposta?

Aí vão alguns mistérios da mídia:
Afinal de contas, para qual público a Xuxa trabalha?
Francamente, qual é a profissão de Alexandre Frota? E quantas carteiras de trabalho ele já deve ter enchido?
Convenhamos, Wanessa (Camargo) é cantora sertaneja ou não?
Como o cabelo da Angélica perdeu todo aquele volume do começo da carreira?
Jô Soares faz alguma outra coisa além de ler, comer e apresentar seu programa? Alguém já viu fotos dele na Caras ou na Ti ti ti?
Fala sério: quando alguém conseguirá se referir ao Júnior Lima sem dizer o Júnior da Sandy & Júnior?
Alguém faz planos para assistir ao Globo Ecologia aos sábados de manhã?
Alguém consegue imaginar como é o ensaio das bailarinas que dançam Ritmo de Festa no Programa Sílvio Santos?
Será que o Faustão, quando se casou, conseguiu esperar o padre recitar todos os votos matrimoniais sem interrompê-lo?
Será que jogadores de futebol cospem em casa como cospem em campo?
Me tira uma dúvida: de quanto deve ter sido o cachê da Arlete Sales pra fazer a propaganda do Corega Tabs?
Eu preciso saber: será que os big-brothers não sentem vergonha quando começam a frequentar o programa da Luciana Gimenez?
Como não pensaram na Luana Piovani pra fazer o papel do pitboy Zeca, em Caminho da Índias? Seria uma pitgirl...
Qual será o nome do próximo padre pop-star? Isso já está virando tendência...
Alguém, em aproximadamente 30 anos, já viu a Gretchen cantando outras músicas além de Conga Conga Conga e Freak le boom boom?
Solucione minha dúvida: Britney Spears faz playback porque dança ou dança porque faz playback?
Caso alguém tenha o gabarito, por favor, estou na espera!
Fernando Sachetti

Isto é Música - Elis Regina (vive!)

Nada melhor do que celebrar um mês de blog com a voz de Elis Regina. Dispensável seria qualquer comentário que eu fizesse sobre o talento de Elis.
Das três canções abaixo, a primeira talvez seja a mais conhecida – chama-se É com esse que eu vou (composição de Pedro Caetano) e é repertório do álbum simplesmente intitulado Elis, lançado em 1973.
A segunda canção, Oriente, é a primeira faixa também do álbum Elis. Foi composta por Gilberto Gil.
A terceira pérola é um delicioso jazz chamado Velha roupa colorida, composição de Belchior. Foi originalmente trazida no LP Falso Brilhante (1976) e, mais tarde, na compilação O melhor de Elis Regina (1989).
Elis vive!
Fernando Sachetti






Quem perguntou?

Seção: Clichês em discussão
Encontrar famosos caminhando nas orlas das praias cariocas é fato comum. E portar-se num lugar público exige muito comedimento dos famosos. Afinal, se a celebridade não cumprimenta ninguém, ela soa mal-educada; se cumprimenta todo mundo, soa deslumbrada. Sabe aquela “estrela” que oferece um autógrafo sem que ninguém lhe tenha pedido? Pois bem.
O que ocorre no Orkut é algo similar: os usuários se oferecem gratuitamente. É comum encontrar perfis no Orkut com mensagens garrafais do tipo: meu novo celular é (x), ou ainda de férias em (x). Isso sem falar das comunidades como eu uso (nome de uma grife famosa). Ora, se até a Glória Pires pareceria pedante ao oferecer um autógrafo gratuitamente, imagine um usuário anônimo do Orkut que divulga um novo celular sem que ninguém lhe tenha perguntado! Convenhamos: o local onde o Joãozinho passa as férias só interessa a quem se interessa pelo Joãozinho; e a marca de roupa que o Joãozinho veste... não interessa a ninguém.
Em tempos de fácil estrelato (em que créu vende mais que a música de Chico Buarque), todos parecem buscar notoriedade. As pessoas anseiam por serem notadas. No entanto, essa notoriedade oca e pobre acaba desvalorizando quem deveras tem mérito.
A atual valorização do que é medíocre pode ser facilmente provada. Quem aparece mais nas manchetes dos programinhas televisivos de fofoca: a Priscila do BBB ou a Fernanda Montenegro?
Em suma: a auto-exposição gratuita enfraquece o verdadeiro talento. Resta de consolo a certeza de que quem tem o que mostrar de fato, inevitavelmente, acaba sendo notado.
Fernando Sachetti

Quincas Borba, de Machado de Assis (trechos)

Seção: Isto é Literatura
(...) Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo, mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida. – p. 50

(...), como se o mendigo dissesse ao céu:
- Afinal, não me hás de cair em cima.
E o céu:
- Nem tu me hás de escalar.
– p. 52

(...) Chegou a pensar em retificar o que dissera, logo que estivesse com Sofia, mas reconheceu que a emenda era pior que o soneto e que há bonitos sonetos mentirosos. – p. 89

O uso de "obrigada" e "obrigado"

Seção: Língua e Etiqueta
Em que as mulheres são diferentes dos homens? Em termos anatômicos, a Medicina é capaz de listar inúmeras diferenças entre os sexos. E a Língua Portuguesa também o é; em número reduzido, é verdade.
No âmbito linguístico, mulheres e homens diferem no modo de agradecer. Mulheres devem, sempre, dizer obrigada, e homens devem, sempre, dizer obrigado. Essa é uma das poucas regras gramaticais sem exceção.
O leitor compreenderá isso muito mais eficientemente quando se der conta de que a expressão obrigado é, na verdade, uma redução de eu estou obrigado a você (ou seja, você me fez um favor e, agora, eu me sinto obrigado a lhe retribuir). Quando uma mulher agradece, portanto, ela quer dizer: você me fez um favor e, agora, eu me sinto obrigada a lhe retribuir.
Assim, fica fácil entender que o uso de obrigada e obrigado não depende da pessoa com quem se fala, mas, sim, da pessoa que fala. Portanto, ratifica-se, ainda outra vez que, não obstante a fronteira entre feminino e masculino esteja se estreitando, uma diferença gramatical persiste: mulheres dizem obrigada, e homens dizem obrigado. Sempre!
Quanto à resposta, pode-se optar pelas seguintes fórmulas invariáveis: não há de quê, por nada ou de nada. Recorrendo às formas variáveis, têm-se, ainda, duas outras possibilidades:
- homens podem dizer obrigado a você (ou seja: eu é que estou obrigado a lhe retribuir), e mulheres obrigada a você (eu é que estou obrigada a lhe retribuir);
- ou homens dizem obrigado, eu (isto é: eu é que estou obrigado a lhe retribuir), e mulheres obrigada, eu (eu é que estou obrigada a lhe retribuir).
Fernando Sachetti

domingo, 9 de agosto de 2009

Isto é Música (Amelinha)

A intérprete das canções abaixo atende pelo nome de Amelinha, nome que certamente traz boas lembranças aos que viveram na transição dos anos 1970 para os anos 1980. O primeiro disco (pois é, naquela época, ouvia-se vinil) de Amelinha chamou-se Flor da Paisagem (1977) e, com ele, a cantora recebeu a alcunha de Gal Costa do Ceará. No entanto, a linda voz de Amelinha marcou definitivamente a MPB com a obra de ourivesaria composta por Luiz Ramalho Foi Deus quem fez você, música que abocanhou o segundo lugar durante o MPB-80, festival produzido pela Rede Globo.
Para conhecer uma fagulha do magnífico trabalho dessa grande intérprete, deleite-se com as duas canções abaixo. Vale a pena limpar os ouvidos dos ruídos comerciais que tanto se ouvem nos dias de hoje.

Fernando Sachetti




O mundo fica bem mais divertido...

Quem era criança no início dos anos 1980 cresceu ouvindo Balão Mágico. Em 1986, Xuxa pousou sua nave na Rede Globo e conquistou seus baixinhos. Pouquíssimo tempo mais tarde, vieram Angélica e o Trem da Alegria. No início dos anos 1990, foi a vez de Sandy & Júnior e da turma da TV Colosso.
Polêmicas e intrigas à parte, o fato é que os artistas infantis citados anteriormente bombardearam o cenário musical de então com músicas interessantíssimas. Não pretendo aqui jogar confete sobre este ou aquele intérprete. O que pretendo registrar é que quem foi criança nas décadas de 1980 e 1990 tem uma referência musical. Uma referência musical valiosa e que se extinguiu com a chegada dos anos 2000.
No Brasil, o mercado fonográfico infantil está precário. Na verdade, quase inexistente. Da turma de famosos citados no primeiro parágrafo, o único que persiste num trabalho do gênero (enfrentando inúmeros percalços e críticas cáusticas) é Xuxa. Ao que parece, no entanto, sua linha Xuxa Só para Baixinhos atinge somente o público de 0 a 6 anos de idade.
Ter referências é o ideal, sejam elas boas ou ruins. O problema é quando só há ruins. As crianças do nosso tempo estão sendo (des)amparadas por grupos de funk, Kelly Key e alguns artistas da linha pop-teen (?) internacional (tais como Miley Cyrus). Ressalto: nada tenho contra esses artistas. Agora, é irrefutável que suas músicas não apresentam temática infantil.
A quem culpar por esse desamparo? Às crianças... não, é claro. Aos pais e à Escola... também não. Sei que posso soar lunático, mas creio que falta fomento da própria indústria fonográfica ao filão infantil. A exemplo do que ocorria no passado recente, a partir do momento em que houver estímulo ao consumo de canções infantis, talvez o quadro mude, e as crianças voltem a ser crianças. Por que isso parece tão irreal?
Guardei o ápice saudosista para o final do artigo. Quem não se lembra destes versos clássicos, singelos e infantilmente (!) riquíssimos?

Vem, meu ursinho querido / Meu companheirinho, ursinho Pimpão / Vamos sonhar aventuras / Voar nas alturas da imaginação (...) - Ursinho Pimpão - Balão Mágico


Vou pintar um arco-íris de energia / pra deixar o mundo cheio de alegria / se está feio ou dividido / vai ficar tão colorido / o que vale nessa vida é ser feliz (...) - Arco-íris - Xuxa


O homem bateu em minha porta / E eu abri / Senhoras e senhores, ponha a mão no chão / Senhoras e senhores, pule de um pé só / Senhoras e senhores, dê uma rodadinha / E vá pro olho da rua / Pula, pula, pula, pula, pula, pula sem parar (...) - Pula corda - Trem da Alegria


Sei que ainda sou criança / Tenho muito o que aprender / Mas quero ser criança quando eu crescer (...) / Vamos construir uma ponte em nós! / Vamos construir / Pra ligar seu coração ao meu / Com o amor que existe em nós. - Vamos Construir - Sandy & Júnior


Fernando Sachetti

O casamento é uma instituição falida!

Seção: Clichês em discussão
Muito se fala da falência do matrimônio como resposta às intempestivas relações entre cônjuges que se separam antes mesmo de deixar o altar. Talvez, o que falte ao sucesso dessas relações instantaneamente ceifadas não é o cumprimento de leis instituídas socialmente e cuspidas por um padre durante uma cerimônia. O que parece estar faltando para que relacionamentos vinguem é o cumprimento de uma lei muito mais elementar: a lei do amor.
O ser humano anseia por sempre transmitir uma imagem de plenitude amorosa. No entanto, ninguém precisa se casar (ou assumir qualquer outra relação que antecede o casamento) para exibir à sociedade um atestado de estabilidade. Isso é violar o amor. Mais grave: isso é violar o amor próprio. É se forçar a algo indesejado.
Assim como uma árvore desfalece se suas raízes são frágeis, o matrimônio vai à falência se o amor é débil. Portanto, o casamento só tem se mostrado uma instituição falida porque o amor parece estar em crise.
Fernando Sachetti

Uma lição de cortesia

Seção: Língua e Etiqueta
Pessoas prepotentes são sempre alvo de repulsa pela sociedade. Além disso, acredita-se que a prepotência é uma característica que advém de posturas corporais. Assim, um nariz constantemente empinado pode ser sinal de prepotência. O que pouco se percebe é que ela pode também ser detectada através do modo como as pessoas usam a língua portuguesa.
Linguisticamente, prepotente é aquele indivíduo que sempre se coloca em primeiro lugar. E é claro que isso não é de bom tom. A boa cortesia postula que, numa sucessão de palavras que designem pessoas, o falante deve sempre se referir às outras pessoas antes de se referir a si mesmo. Compare, pois, os diálogos abaixo entre A e B.

Diálogo 1 –
A: Quem passou no vestibular?
B: Eu, Aurélia, Ana e Ricardo. Todos nós estudamos muito!

Diálogo 2 –
A: Quem passou no vestibular?
B: Aurélia, Ana, Ricardo e eu. Todos nós estudamos muito!

O segundo diálogo é muito mais cortês e polido que o primeiro uma vez que seu falante não adotou uma postura prepotente. Na descrição dos nomes de aprovados no vestibular, a referência a si mesmo (por meio do pronome eu) veio por último – atitude extremamente elegante e que não necessitaria de grande esforço para ser percebida.

Mais exemplos:
Ireni e eu iremos à festa.
Quem lhe oferece este jantar somos minha esposa e eu.
Sua professora e eu cremos que você está de parabéns!

Por outro lado, em situações que possam colocar o falante em posição de desvantagem ou desprestígio, o elegante, então, é que ele se coloque em primeiro lugar. Analise:
Eu e minha esposa somos os culpados pela má criação de nosso filho.

Nessa situação, o falante (provavelmente, um marido) divide a culpa com sua esposa; no entanto, ele se coloca elegantemente como primeiro alvo de críticas, caso elas existam. É como se ele dissesse: “Podem culpar minha esposa, mas, antes, culpem a mim.”

Mais exemplos:
Os responsáveis pela falha no sistema fomos eu e minha secretária.
Critiquem a mim e a meu assessor pelo erro; ele não fez nada sozinho.
Fernando Sachetti

O meu desejo

Seção: Isto é Literatura
Vejo-te só a ti no azul dos céus,
Olhando a nuvem de oiro que flutua...
Ó minha perfeição que criou Deus
E que num dia lindo me fez sua!

Nos vultos que diviso pela rua,
Que cruzam os seus passos com os meus...
Minha boca tem fome só da tua!
Meus olhos têm sede só dos teus!

Sombra da tua sombra, doce e calma,
Sou a grande quimera da tua alma
E, sem viver, ando a viver contigo...

Deixa-me andar assim no teu caminho
Por toda a vida, amor, devagarinho,
Até a Morte me levar consigo...

da poetisa portuguesa Florbela Espanca

domingo, 2 de agosto de 2009

Isto é Música (Emma Bunton)

A música do clipe intitula-se Maybe e foi gravada pela ex-Spice Girl Emma Bunton. O clipe, assumidamente, foi inspirado no estilo Bob Fosse. Para os não-amantes da dança, Bob Fosse foi um grande coreógrafo do século XX que criou um estilo próprio de jazz. Suas coreografias sensuais são marcadas pela presença de movimentos simples que ganham força devido à grande quantidade de bailarinos em cena. Também caracterizam seu jazz o uso cênico de acessórios como chapéus-coco, barras e cadeiras. Parabéns à loirinha pop-star!
A título de curiosidade, críticos afirmam que as danças de Michael Jackson bebem da fonte Fosse. Para saber mais sobre o coreógrafo, vale a pena assistir ao filme autobiográfico All that jazz (1979).

Fernando Sachetti

Não compre gato por lebre!

Nas duas semanas anteriores (ver data da publicação desta postagem), escrevi artigos sobre a minissérie Som & Fúria – uma produção global. O presente artigo versará sobre mais um rebento da Rede Globo – desta vez, a novela Caras & Bocas, da autoria de Walcyr Carrasco. Eu peço desculpas ao leitor se pareço cansativo e pretendo, a partir da próxima semana, mudar meu foco. No entanto, por enquanto, as circunstâncias obrigam a que eu pareça repetitivo. Vocês verão: o meu propósito é dos nobres!
Para que o leitor desavisado se situe na trama da atual novela das sete, farei um brevíssimo resumo sobre a teia que envolve os personagens que aqui me interessam: desde o início da atração, Milena (interpretada pela atriz Sheron Menezes) foi uma garota pobre que amava e acreditava no amor cafajeste de Nick (vivido pelo ator Sérgio Marone). Este, um mauricinho acostumado às regalias da vida boa, via em Milena tão somente um objeto que lhe satisfazia a libido. Entretanto, nos últimos capítulos, uma reviravolta agitou a trama, e Milena enriqueceu. Rica, ela contrata um advogado para que este convença Nick a se casar com ela em troca de um alto dote. Mas um detalhe: o advogado deve manter absoluto sigilo quanto à identidade de Milena. O que ela quer é se vingar de Nick e ter certeza, de uma vez por todas, de seu despudor.
Enquanto eu assistia à novela, senti uma espécie de déjà-vu. É como se eu já tivesse tido contato com aquela história anteriormente. E tive. Em poucos instantes, fui transportado, mentalmente, ao enredo de Senhora, livro do autor romântico José de Alencar. Nessa obra, cujos protagonistas são Aurélia Camargo e Fernando Seixas, o enredo é o mesmo de Caras & Bocas: no início, Aurélia é pobre, e Fernando somente se interessa por seus belos contornos. Depois, Aurélia enriquece e contrata um advogado para que este atraia Fernando a um lucrativo casamento arranjado. O advogado, porém, mantém em segredo a identidade da então vingativa Aurélia.
Para encurtar conversa: Walcyr Carrasco está fazendo uso, na novela, de uma ideia que não é originariamente sua. E, pessoalmente, nem de longe eu o condeno por isso. E nem acho que José de Alencar – onde quer que ele esteja – o condenaria. Eu só lamento o fato de que muitos telespectadores pouco letrados, certamente, conferirão o mérito do enredo a Walcyr Carrasco, quando, na verdade, o mérito deveria ser de José de Alencar.
No primeiro parágrafo, eu afirmei que meu propósito com este texto seria nobre. Mas, caso o leitor ainda não tenha se apercebido da minha alfinetada, serei mais direto: leia! É somente com boas leituras que conseguimos “ler” o mundo.
O trocadilho pode não ter sido dos melhores, mas espero ter dado meu recado.
Fernando Sachetti

Ninguém merece segunda-feira!!!

Seção: Clichês em discussão
Uma semana possui sete dias, dos quais cinco são úteis, e dois compreendem o fim de semana. Isto é, dedicam-se alguns dias à labuta, e outros ao descanso. Quando o período de descanso se finda, é hora de retomar o trabalho. E não parece tautológica a expressão tudo começa pelo começo?
Ora, o período de dias úteis deve se iniciar pelo primeiro dia útil – a segunda-feira. Se, por um decreto presidencial, a segunda-feira fosse subtraída do calendário, a terça-feira viria substituí-la. Tal decreto, portanto, não mudaria absolutamente nada; haveria, tão somente, uma troca de nomenclatura.
Pelo que se pode perceber, por mais que se tente retardar a chegada do vilão semanal, ele sempre virá. E, francamente, o vilão desta história não parece ser o primeiro dia útil, mas tudo o que esse primeiro dia traz consigo – o trabalho.
E já que o trabalho é motivo de tanta repulsa, por que não mudá-lo? Aliás, ao invés de trabalho, não seria mais sensato buscar uma ocupação? Afinal, a partir do momento em que se ocupa com algo prazeroso, todos os dias da semana podem ser sábados e domingos.
Fernando Sachetti

A mortandela estrupadora de brócli

Seção: Língua e Etiqueta
Durante uma palestra, que reação esperar de uma plateia que ouve de um orador algo como asterístico ou beneficiente? Alguns ouvintes, mais comedidos, desconfiariam de seus próprios ouvidos. No entanto, perante ouvintes mais exigentes, o infortunado orador cairia automaticamente em descrédito.
Da mesma forma como a roupa errada pode comprometer uma entrevista de emprego e um presente equivocado esmorecer as expectativas de um namoro, uma palavra pronunciada erroneamente tem o poder de rasurar todo um discurso.
Os reais benefícios de um estudo cuidadoso da língua portuguesa só são percebidos pelos indivíduos quando eles deixam a Escola e adentram o mercado de trabalho. Infelizmente. Não se pretende questionar aqui a eficácia dos métodos como o português tem sido tratado e ensinado. Contudo, após anos a fio de estudo da língua nos Ensinos Fundamental e Médio, é lastimável ouvir de universitários e recém-formados alguns deslizes gramaticais indubitavelmente vexatórios.
Desnecessário é dizer que o mercado de trabalho tem se tornado gradativamente mais competitivo. Isso já é lugar comum. O que talvez ainda não o seja é que, de um profissional loquaz e produtivo (e, portanto, ideal), espera-se capacidade de persuasão; para que haja capacidade de persuasão, deve haver clareza na exposição das ideias; para que ideias sejam expostas, far-se-á uso de palavras que as concretizem; e todo esse processo requer, no mínimo, uma boa Ortoépia (parte da Gramática que trata da pronúncia correta das palavras).
Uma vez que são continuadamente mal pronunciados, atente para a ortoépia dos vocábulos a seguir. Para os que podem gerar mais dúvidas quanto ao som, colocou-se entre parênteses um vocábulo mais conhecido, servindo de parâmetro de analogia.
abóbada
advogado
algoz (como arroz)
anteontem
antiquado
asterisco
beneficente
brócolis
bugiganga
cabeçalho
cabeleireiro
cadarço
cérebro
cicrano
coeso (como maestro)
companhia (e não compania)
destro (como crespo)
digladiar
disenteria
empecilho
estupro
gratuito (e não gratuíto)
lóbulo (da orelha)
mendigo
meteorologista / meteorologia
mortadela
obeso (como acesso)
praxe (e não prakse)
privilégio
recorde (como acorde)
reivindicar
relampejar
rubrica
ruim (como xaxim)
sobrancelha
supérfluo
subsídio (como suicídio)
tábua
Fernando Sachetti

Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa

Seção: Isto é Literatura
(...)
Semelhante não foi, quando um homem, Rudugério de Freitas, dos Freitas ruivos da Água-Alimpada, mandou obrigado um filho dele ir matar outro, buscar para matarem, esse outro, que roubou sacrário de ouro da igreja da Abadia. Aí, então, em vez de cumprir o estrito, o irmão combinou com o irmão, os dois vieram e mataram mesmo foi o velho pai deles, distribuído de foiçadas. (...) E enqueriram o cadáver paterno em riba da casa – casinha boa, de telhas, a melhor naquele trecho. Daí, reuniram o gado, que iam levando para distante vender. Mas foram logo pegos. A pegar, a gente ajudou. Assim, prisioneiros nossos. Demos julgamento. Ao que, fosse Medeiro Vaz, enviava imediato os dois para tão razoável forca. Mas porém, o chefe nosso, naquele tempo, já era – o senhor saiba -: Zé Bebelo!
(...)
Os dois irmãos responderam que tinham executado aquilo em padroeiragem à Virgem, para a Nossa Senhora em adiantado remitir o pecado que iam obrar, e obraram dito e feito. Tudo que Zé Bebelo se entesou sério, em pufo, empolo, mas sem rugas em testa, eu prestes vi que ele estava se rindo por de dentro. Tal, tal, disse: - “Santíssima Virgem...” E o pessoal todo tirou os chapéus, em alto respeito. – “Pois, se ela perdoa ou não, eu não sei. Mas eu perdôo, em nome dela – a Puríssima, Nossa Mãe!” – Zé Bebelo decretou. – “O pai não queria matar? Pois então, morreu – dá na mesma. Absolvo! (...) – “Perdoar é sempre o justo e certo...” – pirlimpim, pimpão. Mas, como os dois irmãos careciam de algum castigo, ele requisitou para o nosso bando aquela gorda boiada, a qual pronto revendemos, embolsamos. E desse caso derivaram também uma boa cantiga violeira.
– p. 91/92

sábado, 25 de julho de 2009

O público quer é BBB - Bunda, Barraco e Besteirol

E lá se foi Som & Fúria. Foi com pouco som porque, infelizmente, não ecoou nos lares brasileiros a força que o teatro merece. Foi com muita fúria por parte do público cansado de reality shows e bobagens afins.
A audiência da minissérie, pesarosamente, não foi das melhores. Nem Rodrigo Santoro - um galã de projeção internacional - nem Regina Casé - uma artista de grande apelo popular - foram suficientes para garantir boa audiência. Pergunto-me o porquê e percorro caminhos que me conduzem a uma possível resposta. Siga-me.
Dos primorosos diálogos de Som & Fúria, lembro-me de uma conversa franca travada entre a personagem Ellen*¹ (no enredo, uma atriz já veterana) e Kátia*² (por sua vez, uma atriz novata) a respeito da carreira teatral no Brasil. Sentadas a uma mesa de bar, Ellen diz à inexperiente colega que a maioria dos artistas de teatro no Brasil está fadada ao Retiro dos Artistas – uma espécie de albergue carioca onde atores e atrizes vivem de doações e se alimentam de saudosismo.
Lembro-me mais claramente ainda de um diálogo do último capítulo, travado entre Ellen e Dante à coxia de um teatro. Ellen, absorta em si mesma, se dá conta da precariedade emocional e financeira em que se encontra após os longos anos de dedicação à arte dionisíaca.
Ainda fazendo um levantamento da minissérie, vale lembrar que, na sinopse, Jaques Maya*³ era um galã teen televisivo que subiu cruamente ao palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro para dar vida a Hamlet. A presença de Jaques no elenco lotou o Municipal, uma vez que suas fãs histéricas foram ver o Jaques interpretando Hamlet – e não Hamlet interpretado por Jaques.
Ao se reagruparem as pecinhas anteriores, temos: Retiro dos Artistas ao término da carreira; precariedade emocional e financeira como sina; necessidade de um galã de TV para alavancar a bilheteria de um teatro. Somando-se a isso a conhecida falta de intimidade do brasileiro com o teatro e a baixa audiência de Som & Fúria, concluo desconsoladamente que:
o teatro não dá audiência nem em televisão. Nem com Rodrigo Santoro.


*¹ personagem vivido por Andréa Beltrão;
*² personagem vivido por Maria Flor;
*³ personagem vivido por Daniel de Oliveira.

Fernando Sachetti

É só colocar no micro-ondas. E pronto!

Seção: Clichês em discussão
Já é de praxe: à medida que a Páscoa se aproxima, basta ligar a televisão em qualquer telejornal para se assistir a uma série de reportagens especiais que versam sobre temas pascais: a grande variedade e as novidades em ovos de Páscoa; seus preços cada vez mais altos; os testes de segurança a que os brinquedinhos dos ovos são submetidos; os clientes que, devido a compras tardias, têm que se satisfazer com ovos quebrados ou derretidos... Tamanha previsibilidade jornalística, no entanto, pode ser percebida também em outras épocas do ano.
A chegada do verão traz igualmente consigo uma série de reportagens pré-prontas: os riscos advindos da exposição intensa ao sol, e os cuidados para que tais riscos sejam amenizados; uma espécie de guia turístico, expondo destinos brasileiros onde a beleza natural é exuberante; uma consultora de moda que dá dicas de como arrumar uma mala prática e inteligente; mais uma consultora de moda que, em meio aos banhistas, aponta os modelitos em voga naquele verão...
Nenhuma outra data comemorativa, contudo, supera a pasmaceira das reportagens natalinas. O Natal sempre vem acompanhado de sobras requentadas do tipo: um repórter que, sem se identificar, descobre (!) as variações de preços entre diferentes lojas; os conselhos para que o consumidor pesquise pelo menor preço antes de comprar qualquer produto; um especialista que explica as condições mediante as quais as lojas aceitam trocas de mercadoria; uma lista que discrimina os presentes mais procurados e mais desejados naquele Natal; a correria pela procura de um presente já às vésperas do 25 de dezembro; pessoas que passarão as festividades natalinas distantes da família; donas-de-casa de variadas regiões brasileiras que ensinam modos de se rechear um delicioso peru de Natal; a aparição de famosos, seja participando de um amigo oculto, seja fazendo votos de um feliz Natal à audiência; e etcétera, etcétera, etcétera.
É... ao que tudo indica, parece que a fonte criativa secou. Aliás, já que se está falando da mesmice televisiva, lá vai um lembrete: em breve, Criança Esperança!
Fernando Sachetti

O homem que gritava em voz baixa

Seção: Língua e Etiqueta
O pleonasmo também atende pelo nome de redundância, alcunha que o consagrou e que o tornou, talvez, a mais famosa figura de linguagem. O pleonasmo nada mais é do que uma repetição desnecessária, uma vez que se utiliza de um segundo termo para reforçar uma ideia já encapsulada num primeiro. Entrar para dentro e sair para fora são os exemplos que melhor ilustram a redundância, não somente por serem conhecidos por grande parte dos falantes, mas, também, por serem de fácil compreensão. Ora, o verbo entrar já traz consigo a ideia de para dentro; da mesma forma, sair já pressupõe para fora. Seria tarefa sobre-humana imaginar alguém que entrasse para fora ou saísse para dentro.
Pleonasmos são uma espécie de vício, um comportamento linguístico que emerge quase que involuntariamente: quando o falante se dá conta, lá se foi mais uma redundância. Alguns demandam não somente um conhecimento lógico, mas um knowhow mais específico. Na área biológica, por exemplo, hemorragia de sangue é uma repetição desnecessária: toda hemorragia é de sangue, haja vista que hemo significa sangue. Em língua portuguesa, ortoépia correta também é pleonasmo, uma vez que o prefixo orto quer dizer correto, adequado.
A figura de linguagem aqui discutida já é tão conhecida do público que se tornou, inclusive, assunto de espetáculos humorísticos. Além disso, há inúmeros sites na Internet que trazem uma imensa lista de pleonasmos, dos mais aos menos comuns. O próprio leitor pode se desafiar a detectar pleonasmos imperceptivelmente cometidos. Abaixo, citar-se-ão apenas alguns que podem ser o ponto de partida a uma pesquisa mais avançada:
pequeno detalhe
certeza absoluta
panorama geral
projetos (ou planos) futuros
repetir de novo
elo de ligação
incluir dentro
excluir fora
acabamento final
filha mulher
prever de antemão
antecipar para antes da data
unanimidade geral
cego dos olhos
encarar de frente
dividir em duas metades iguais
vereador municipal
conviver junto
bela caligrafia
abertura inaugural
goteira no teto
nascer há (x) anos atrás
progredir para melhor
novo lançamento / novas atualizações
Fernando Sachetti