sábado, 25 de julho de 2009

O público quer é BBB - Bunda, Barraco e Besteirol

E lá se foi Som & Fúria. Foi com pouco som porque, infelizmente, não ecoou nos lares brasileiros a força que o teatro merece. Foi com muita fúria por parte do público cansado de reality shows e bobagens afins.
A audiência da minissérie, pesarosamente, não foi das melhores. Nem Rodrigo Santoro - um galã de projeção internacional - nem Regina Casé - uma artista de grande apelo popular - foram suficientes para garantir boa audiência. Pergunto-me o porquê e percorro caminhos que me conduzem a uma possível resposta. Siga-me.
Dos primorosos diálogos de Som & Fúria, lembro-me de uma conversa franca travada entre a personagem Ellen*¹ (no enredo, uma atriz já veterana) e Kátia*² (por sua vez, uma atriz novata) a respeito da carreira teatral no Brasil. Sentadas a uma mesa de bar, Ellen diz à inexperiente colega que a maioria dos artistas de teatro no Brasil está fadada ao Retiro dos Artistas – uma espécie de albergue carioca onde atores e atrizes vivem de doações e se alimentam de saudosismo.
Lembro-me mais claramente ainda de um diálogo do último capítulo, travado entre Ellen e Dante à coxia de um teatro. Ellen, absorta em si mesma, se dá conta da precariedade emocional e financeira em que se encontra após os longos anos de dedicação à arte dionisíaca.
Ainda fazendo um levantamento da minissérie, vale lembrar que, na sinopse, Jaques Maya*³ era um galã teen televisivo que subiu cruamente ao palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro para dar vida a Hamlet. A presença de Jaques no elenco lotou o Municipal, uma vez que suas fãs histéricas foram ver o Jaques interpretando Hamlet – e não Hamlet interpretado por Jaques.
Ao se reagruparem as pecinhas anteriores, temos: Retiro dos Artistas ao término da carreira; precariedade emocional e financeira como sina; necessidade de um galã de TV para alavancar a bilheteria de um teatro. Somando-se a isso a conhecida falta de intimidade do brasileiro com o teatro e a baixa audiência de Som & Fúria, concluo desconsoladamente que:
o teatro não dá audiência nem em televisão. Nem com Rodrigo Santoro.


*¹ personagem vivido por Andréa Beltrão;
*² personagem vivido por Maria Flor;
*³ personagem vivido por Daniel de Oliveira.

Fernando Sachetti

É só colocar no micro-ondas. E pronto!

Seção: Clichês em discussão
Já é de praxe: à medida que a Páscoa se aproxima, basta ligar a televisão em qualquer telejornal para se assistir a uma série de reportagens especiais que versam sobre temas pascais: a grande variedade e as novidades em ovos de Páscoa; seus preços cada vez mais altos; os testes de segurança a que os brinquedinhos dos ovos são submetidos; os clientes que, devido a compras tardias, têm que se satisfazer com ovos quebrados ou derretidos... Tamanha previsibilidade jornalística, no entanto, pode ser percebida também em outras épocas do ano.
A chegada do verão traz igualmente consigo uma série de reportagens pré-prontas: os riscos advindos da exposição intensa ao sol, e os cuidados para que tais riscos sejam amenizados; uma espécie de guia turístico, expondo destinos brasileiros onde a beleza natural é exuberante; uma consultora de moda que dá dicas de como arrumar uma mala prática e inteligente; mais uma consultora de moda que, em meio aos banhistas, aponta os modelitos em voga naquele verão...
Nenhuma outra data comemorativa, contudo, supera a pasmaceira das reportagens natalinas. O Natal sempre vem acompanhado de sobras requentadas do tipo: um repórter que, sem se identificar, descobre (!) as variações de preços entre diferentes lojas; os conselhos para que o consumidor pesquise pelo menor preço antes de comprar qualquer produto; um especialista que explica as condições mediante as quais as lojas aceitam trocas de mercadoria; uma lista que discrimina os presentes mais procurados e mais desejados naquele Natal; a correria pela procura de um presente já às vésperas do 25 de dezembro; pessoas que passarão as festividades natalinas distantes da família; donas-de-casa de variadas regiões brasileiras que ensinam modos de se rechear um delicioso peru de Natal; a aparição de famosos, seja participando de um amigo oculto, seja fazendo votos de um feliz Natal à audiência; e etcétera, etcétera, etcétera.
É... ao que tudo indica, parece que a fonte criativa secou. Aliás, já que se está falando da mesmice televisiva, lá vai um lembrete: em breve, Criança Esperança!
Fernando Sachetti

O homem que gritava em voz baixa

Seção: Língua e Etiqueta
O pleonasmo também atende pelo nome de redundância, alcunha que o consagrou e que o tornou, talvez, a mais famosa figura de linguagem. O pleonasmo nada mais é do que uma repetição desnecessária, uma vez que se utiliza de um segundo termo para reforçar uma ideia já encapsulada num primeiro. Entrar para dentro e sair para fora são os exemplos que melhor ilustram a redundância, não somente por serem conhecidos por grande parte dos falantes, mas, também, por serem de fácil compreensão. Ora, o verbo entrar já traz consigo a ideia de para dentro; da mesma forma, sair já pressupõe para fora. Seria tarefa sobre-humana imaginar alguém que entrasse para fora ou saísse para dentro.
Pleonasmos são uma espécie de vício, um comportamento linguístico que emerge quase que involuntariamente: quando o falante se dá conta, lá se foi mais uma redundância. Alguns demandam não somente um conhecimento lógico, mas um knowhow mais específico. Na área biológica, por exemplo, hemorragia de sangue é uma repetição desnecessária: toda hemorragia é de sangue, haja vista que hemo significa sangue. Em língua portuguesa, ortoépia correta também é pleonasmo, uma vez que o prefixo orto quer dizer correto, adequado.
A figura de linguagem aqui discutida já é tão conhecida do público que se tornou, inclusive, assunto de espetáculos humorísticos. Além disso, há inúmeros sites na Internet que trazem uma imensa lista de pleonasmos, dos mais aos menos comuns. O próprio leitor pode se desafiar a detectar pleonasmos imperceptivelmente cometidos. Abaixo, citar-se-ão apenas alguns que podem ser o ponto de partida a uma pesquisa mais avançada:
pequeno detalhe
certeza absoluta
panorama geral
projetos (ou planos) futuros
repetir de novo
elo de ligação
incluir dentro
excluir fora
acabamento final
filha mulher
prever de antemão
antecipar para antes da data
unanimidade geral
cego dos olhos
encarar de frente
dividir em duas metades iguais
vereador municipal
conviver junto
bela caligrafia
abertura inaugural
goteira no teto
nascer há (x) anos atrás
progredir para melhor
novo lançamento / novas atualizações
Fernando Sachetti

Idade Madura (Carlos Drummond de Andrade)

Seção: Isto é Literatura
(...)
Ninguém me fará calar, gritarei sempre
que se abafe um prazer, apontarei os desanimados,
negociarei em voz baixa com os conspiradores,
transmitirei recados que não se ousa dar nem receber,
serei, no circo, o palhaço,
serei médico, faca de pão, remédio, toalha,
serei bonde, barco, loja de calçados, igreja, enxovia,
serei as coisas mais ordinárias e humanas, e também as excepcionais:
tudo depende da hora
e de certa inclinação feérica,
viva em mim qual um inseto.

Idade madura em olhos, receitas e pés, ela me invade
com sua maré de ciências afinal superadas.
Posso desprezar ou querer os institutos, as lendas,
descobri na pele certos sinais que aos vinte anos não via.
Eles dizem o caminho,
embora também se acovardem
em face a tanta claridade roubada ao tempo.
Mas eu sigo, cada vez menos solitário,
em ruas extremamente dispersas,
transito no canto do homem ou da máquina que roda,
aborreço-me de tanta riqueza, jogo-a toda por um número de casa,
e ganho.

Carlos Drummond de Andrade

The hands that built America (U2) - trilha do filme "Gangs of New York"

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Merda!

Confesso que há tempos eu não assistia a uma atração televisiva de tão boa qualidade como se vê na minissérie global Som & Fúria. Com direção geral de Fernando Meirelles, Som & Fúria discorre sobre os cotidianos profissional e pessoal dos artistas quem enfeixam uma companhia teatral especializada na interpretação de obras de William Shakespeare.
Aliás, próximo à comemoração do centenário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a Rede Globo, acertadamente, presenteia com arte um público faminto por arte. E não outro público.
Não tenho acompanhado como anda a audiência da minissérie. O que sei é que a produção preenche todos os quesitos para que se tornasse algo pedante, elitista e, portanto, discriminatório. No primeiro capítulo da trama, por exemplo, um personagem leigo em teatro pronunciou o nome Macbeth de um modo risível (algo como mécbitch). Entretanto, isso só geraria riso num telespectador que percebesse a referência a Macbeth. Caso contrário, a intenção cômica seria inócua.
Ao longo dos capítulos, no entanto, fui me dando conta da destreza com que o humor tem permeado a minissérie e tornado perfeitamente acessível até mesmo um texto que diz respeito a Shakespeare. A atuação de Felipe Camargo, Andréa Beltrão, Dan Stulbach e Pedro Paulo Rangel (só citando alguns poucos nomes) é digna de palmas.
Não poderia deixar de citar aqui que, como já cursei Artes Cênicas, conheço um pouco do modo como artistas enxergam a vida. Sobretudo do modo como artistas de teatro enxergam a vida. Para esses, trabalhar em teatro é muito mais grandioso e desafiador do que trabalhar em televisão. Daí a certa rejeição com que é tratado o personagem vivido por Daniel de Oliveira (na sinopse, um ator de TV que se intromete a subir num palco).
Como se não bastassem o roteiro, a direção e o elenco de primeira linha, a trilha sonora é igualmente magnífica. As cenas de Som & Fúria são orvalhadas com canções do grupo dos anos 1970 Secos & Molhados. Podem-se ouvir, por exemplo, composições do quilate de O patrão nosso de cada dia e Fala. Auríferas!
Como tudo o que é bom dura pouco, esta já é a última semana da produção global. Vale a pena ficar acordado até um pouquinho mais tarde...


Fernando Sachetti

Mãe sempre acaba descobrindo tudo - é fato!

Seção: Clichês em discussão
Pense numa família composta por pais, um filho adolescente e um filho ainda criança.
A adolescência, embora se diga o contrário, é a fase aguardada por todos esses entes: o primogênito crê que pode fazer qualquer coisa sem que jamais seja descoberto; o mais novo finalmente se livra dos castigos e beliscões às escondidas que seu irmão mais velho (agora preocupado com outras coisas) lhe dava; e os pais (em especial, a mãe) se sentem onipresentes, uma vez que sempre acabam descobrindo o que o adolescente tentou burlar.
Mães são dotadas de ímãs que captam as vibrações mentirosas provenientes dos filhos. Por mais anti-social que sua mãe seja, por menos amigos que ela tenha, sempre haverá alguém que te viu fazendo não sei o quê com não sei quem. Elas têm o poder... É como se sua mãe tivesse contratado toda a população mundial para te vigiar aonde quer que você vá.
Você pode estar de férias em Londres, que haverá um conhecido da sua mãe brincando de gangorra nos ponteiros do Big-bang pronto para te delatar. Você pode estar na Disney World, que haverá um conhecido da sua mãe fantasiado de Mickey Mouse tirando foto com um grupo de turistas mexicanos. Você pode estar sozinho em casa, debaixo da sua cama, que, no dia seguinte, haverá a bendita da empregada que descobrirá algum objeto suspeito e o levará até sua mãe.
A beleza da adolescência, no entanto, se assenta no fato de o adolescente jamais descrer na sua perspicácia, sempre tentando, infinitamente e cada vez de maneira mais ousada, se superar, até que... a fase adulta chega, e é hora de os papéis se inverterem.
Fernando Sachetti

Cacoetes da fala

Seção: Língua e Etiqueta
Nada pode ser tão irritante do que conviver com uma pessoa que possui cacoetes gestuais. Esses cacoetes são aqueles constantes movimentos que, de tão interiorizados que se tornam, vêm à tona quase que involuntariamente. Alguns indivíduos desenvolvem essas manias imperceptíveis a si mesmos, mas que saltam aos olhos de quem deles se aproxima. Seja franzindo a testa, comprimindo os lábios ou levantando a sobrancelha, o fato é que os portadores dessas manias são alvo de atenção não pela beleza do que fazem, mas por deixarem todos na expectativa de quando virá o próximo franzir de testa.
Da mesma forma, nada pode ser tão irritante (e divertido) do que travar um diálogo ou ouvir uma palestra de alguém que possui cacoetes de linguagem. Fala-se, agora, de pequeninas palavras que alguns falantes inserem em seus discursos imperceptivelmente, mas que estão bem longe de passar despercebidas aos ouvidos alheios. Alguns são adeptos do tipo assim, outros do , ou do daí, ou do então, ou de tantas outras expressões que voltam para si qualquer holofote.
Durante palestras, há plateias que se divertem em contar quantos tipo assim o orador foi capaz de dizer em um pequeníssimo espaço de tempo. O risco que corre um palestrante desse gênero é obvio: a atenção do público acaba se voltando muito mais aos cacoetes linguísticos do que ao conteúdo do discurso feito. Em outros termos: o orador ganha notoriedade mais pelo vício de linguagem do qual é refém do que pelas informações que objetiva transmitir.
A subserviência a tais cacoetes pode soar, à primeira análise, como efeito de despreparo, nervosismo ou insegurança perante um dado assunto exposto. No entanto, esses mesmos cacoetes não são detectados tão somente em oradores incipientes. Em universidades e congressos, depara-se com incontáveis professores que trazem encalacradas essas muletas linguísticas.
Descartadas as possibilidades de despreparo e insegurança, o que talvez falte a um profissional viciado em tipo assim seja a sinceridade de um ouvinte que lhe aponte o ponto fraco. Após se tornar consciente de seu vício, o profissional verdadeiramente comprometido buscará meios de minimizar repetições que maculem seu discurso e que o desabonem. Fica a dica!
Fernando Sachetti

Viagens na minha terra - Almeida Garrett

Seção: Isto é Literatura

Toda a guerra civil é triste.

E é difícil dizer para quem mais triste, se para o vencedor ou para o vencido.

Ponham de parte questões individuais, e examinem de boa fé; verão que, na totalidade de cada facção em que a nação se dividiu, os ganhos, se os houve, para quem venceu, não balançam os padecimentos, os sacrifícios do passado, e, menos que tudo, a responsabilidade pelo futuro...
Eu não sou filósofo. Aos olhos do filósofo, a guerra civil e a guerra estrangeira, tudo são guerras que ele condena – e não mais uma do que a outra... a não ser Hobbes, o dito filósofo, o que é coisa muito diferente.
Mas não sou filósofo, eu: estive no campo de Waterloo, sentei-me ao pé do leão de bronze sobre aquele monte de terra amassado com o sangue de tantos mil, vi – e eram passados vinte anos – vi luzir ainda pela campina os ossos brancos das vítimas que ali se imolaram a não sei quê... Os povos disseram que à liberdade, os reis que à realiza... Nenhuma delas ganhou muito, nem para muito tempo com a tal vitória...
(...)
Por que será que aqui não sinto senão tristeza?
Porque lutas fratricidas não podem inspirar outro sentimento e porque...
Eu moía comigo só estas amargas reflexões, e toda a beleza da charneca desapareceu diante de mim.
– p. 72

- excerto retirado da obra Viagens na minha terra, do poeta português Almeida Garrett -